"A resistência" e o valor das memórias



Abrir a caixa de memórias pode ser um processo doloroso, apesar de muitas vezes ser extremamente benéfico na jornada do autoconhecimento. Ao propor abrir a sua caixa em A Resistência, Julián Fuks mistura a ficção com a autobiografia em um romance denso e reflexivo sobre as questões familiares. Ao mesmo tempo em que conta um pouco de sua própria história e a história de seus pais, explora a política de uma Argentina militar e as consequências da ditadura na vida de sua família.

Emi é adotado e mesmo que esse assunto tenha sempre sido discutido de forma muito tranquila dentro da família, toda essa liberdade parece ter criado um tabu. Seu irmão, o autor fictício desse livro, busca com sua escrita romper a barreira que esse assunto criou entre eles. Barreira essa que foi construída tanto pela família que parece não entender as questões de Emi quanto pelo próprio que não se sente completo no lugar em que foi colocado. Na tentativa de entender seu irmão, o autor toma conta das memórias da família em uma busca pelas origens tanto dele quanto do irmão. 

A escrita de Fuks é poética e muito cuidadosa quando se percebe o zelo na escolha de cada palavra e na ordem de cada frase. Talvez seja esse o grande trunfo desse romance, pois acredito que quando a história mora no comum é a linguagem que a levanta e a torna inesquecível. O escritor fictício, apesar de primoroso, não consegue abandonar de si para contar essa história. É como se tudo tivesse que partir dele ou do sentimento dele para se concretizar e se fazer entendido. Porém, mesmo muito certeiro em suas colocações, percebemos que as falhas de memória dão aberturas para o incerto e o não crível, estratégia que torna o texto muito mais humano e nos faz perdoar os deslizes de cenas que estariam muito fora da realidade. 

E no fim, qual é essa resistência? É muito superficial entender a resistência presente no livro como apenas política quando na verdade ela é a do dia-a-dia. A resistência de permanecermos fortes e otimistas, com esperança em um futuro melhor. A resistência de se ter um filho mesmo que em uma realidade tão cheia de ódio e violência. A resistência que temos todos os dias quando lutamos por aquilo que acreditamos, seja no feminismo, nas questões sociais e na educação. Entendi então que somos todos resistência quando tentamos levar nossas vidas da melhor forma possível em uma tentativa de ouvir e sermos ouvidos.





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