"Com armas sonolentas" e a desromantização da maternidade



Quando Carola Saavedra se propôs a escrever um romance de formação, ela sabia que seria sobre a maternidade. De tantos assuntos que permeiam as mulheres talvez o ser mãe seja algo que desperta emoções muito intensas e opiniões controversas. Se de um lado temos aquelas que querem ter filhos, de outro temos as que preferem não entrarem nesse mundo. Se de um lado temos aquelas que insistem em dizer que a maternidade é a melhor coisa que pode acontecer a uma mulher, do outro temos as que acham que a romantização desse período trás certas travas na hora de discutir o assunto. Porém, foi com a liberdade de quem acredita nas lutas do ser mãe que a autora escreveu um relato de três mulheres que vivem a maternidade e suas consequências. Por isso, já deixo avisado para você, se livre dos julgamentos e tente entender a real história dessas mulheres.


Anna é uma atriz brasileira que não consegue ver futuro em sua profissão até conhecer o diretor alemão Heiner com quem se envolve. Ao se casar com Heiner e mudar para a Alemanha, ela se agarra à promessa feita para ela de que lá poderá atuar nos filmes dirigidos por seu marido e ser muito famosa. Enquanto as filmagens não começam, a vida reclusa dentro de uma casa de um só cômodo a incomodam muito, como um sentimento forte de saudade do país que ela deixou, mas é a descoberta de uma gravidez indesejada que torna esse período mais sombrio. O desejo era claro: aborto. Mas Heiner não permite e a obriga a continuar até o final com aquela gestação. Despertando sentimentos nada maternais junto com uma crescente tristeza, Anna resolve que está na hora de dar um fim para aquela situação.

A história de Anna pode se confundir com a de muitas mulheres. A impossibilidade de escolha sobre seu próprio corpo é um assunto muito delicado no nosso país hoje, mesmo que ele seja uma questão de saúde pública. É inocência vincular a gravidez indesejada apenas ao descuido quando passamos a entender os riscos e as brechas deixadas pelos métodos contraceptivos, isso porque não estou nem entrando no assunto de homens que exigem sexo sem camisinha. Em pesquisas feitas pela Universidade de Brasília e pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro foi traçado o perfil da mulher que aborta: ela tem entre 20 e 29 anos, trabalha, tem um relacionamento estável, filhos e se considera cristã. O mito da adolescente que aborta é quebrado mediante esses dados e nos dá uma imagem de que a gravidez não é sempre uma benção. 
Muitos anos antes de Anna, uma garota sem nome é mandada para a cidade grande para trabalhar na casa de uma família. A promessa de comida, roupa e estudo em contraponto com uma realidade de miséria torna as coisas muito mais interessantes para a mãe que praticamente expulsa a menina de casa. O trabalho era duro, mas a cidade era magnífica e poder ir ao cinema sozinha todo o domingo parecia fazer tudo valer a pena. Contudo, o filho da patroa vê nessa menina sua chance e a envolvendo em um emaranhado de mentiras abusa da garota até que a mesma se encontrasse grávida. Os patrões são firmes e prometem sustentar o bebê em troca do segredo sobre o pai da criança. 

A garota sem nome, obrigada a manter aquela criança se prepara para uma maternidade completamente desromantizada e real. Mesmo depois do nascimento da criança, esses sentimentos de culpa e aversão podem piorar e é extremamente justo falarmos sobre como somos cobradas pela perfeição da mãe-mulher ao mesmo tempo que esse período se torna completamente contraditório. Devemos acabar com a figura da mãe-guerreira que tudo aguenta por sua cria, acabar com a imagem da mulher que deve ser mãe e precisa o ser para enfim ser completa, acabar com as exigências insanas, os comentários comparativos e os palpites não pedidos. Ver mulheres falando sobre a maternidade real e ver essa maternidade se materializar na história da garota sem nome nos mostram como somos plurais e devemos deixar de lado os julgamentos tão prontos para serem lançados a qualquer mãe.

A história de mulheres criada por Carola é poética, mágica e mais real do que imaginamos ser. Falar sobre a maternidade abre espaços para falas que precisavam ser ditas e ditas e ditas várias vezes para enfim a mulher se livrar do peso de ser a mãe ideal e apenas ser ou não ser. Ouvindo mulheres dando seus relatos e sendo completamente sinceras quanto aos sentimentos que ser mãe afloram me fez ver que, ao mesmo tempo que protegemos com tanto afinco aquele feto deixamos de lado a pessoa formada e cheia de sentimentos que está do lado de fora. Aborto legal e seguro é uma questão de saúde pública, de liberdade e de escolha sobre o seu corpo enquanto a desromantização da maternidade é uma questão de saúde mental. Enquanto pressionarmos mães a serem perfeitas estaremos criando mulheres exaustas e doentes mentalmente.



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