"A Gorda" e a gorda que vos escreve

/ sexta-feira, maio 31, 2019



Pela primeira vez, em vinte e cinco anos de vida, eu tinha comprado uma saia. Senti-me tão ousada na hora da compra que fui logo comprando uma midi, daquelas que chegam até o meio da canela. Minha nossa, pensei, era agora ou nunca. Ou eu ficava linda dentro daquela saia ou eu acabava de vez com meus sonhos de moda. Pode parecer estranho falar sobre a ousadia da compra de uma peça de roupa tão comum, mas esse tópico é muito presente na minha vida, na vida de uma mulher gorda e para contar minha experiência com a leitura do livro A Gorda de Isabela Figueiredo eu achei que era necessário contar também a minha história. Não entenda como pretensiosismo. Tente entender como uma forma de dizer que aquele livro não foi só ficção para mim. Ele foi tão real que às vezes parecia que nossas histórias se confundiam. Mas vamos começar do começo.

Assim como Maria Luísa, personagem de A Gorda, eu sempre fui gorda. Desde criança, adolescência e até hoje, na vida adulta. Vou confessar que quando menina nunca senti a gordofobia me atingir muito forte, achava apenas que as meninas não gostavam tanto assim de mim e por isso não eram tanto minhas amigas. Era difícil ser a garota nova em uma escola em que todos tinham estudado juntos desde a pré-escola. 

Aos oito anos eu escutei que eu era mais gorda do que minha pasta. A bendita pasta de guardar trabalhos que eu pedia que minha mãe comprasse da fininha que insistia em comprar da mais grossa, segundo ela ia caber mais coisas ali. Eu lembro com perfeição do momento, do local, das crianças e daquela menina alta vindo lá do fim da fila me chamar de gorda. Lembro também que na hora não dei atenção, não sei se todos que estavam em volta riram ou se nem perceberam, mas sei que no dia seguinte não queria ir pra escola. Chegaram a me perguntar o motivo de não querer ir, só que preferi não contar e agir como se nada daquilo tivesse acontecido. 

Maria Luísa foi extremamente ridicularizada durante seu período escolar e mesmo sua amizade com Tony era abusiva em uma tentativa que Maria tinha de ser aceita e amada. Acho que percebendo que meu corpo era alvo de piada eu comecei a tomar algumas atitudes durante a escola que me garantiram mais tranquilidade e a possibilidade de ser aceita no grupo. Como a personagem de A Gorda eu me submeti à figura da gorda engraçada, da gorda mãezona e da gorda conselheira em uma tentativa de me fazer útil dentro daquelas amizades. Por ser gorda entendi que tinha que ser a mais inteligente, afinal ser burra além de gorda estava completamente fora de possibilidade para mim. Para me ver livre das chacotas, fiz amizade com o a turma do fundão e deixava com que copiassem todas as minhas tarefas e até cheguei a passar algumas colas nas provas. 

Durante a adolescência eu tentei descobrir quem eu era, do que eu gostava, quais eram as roupas que eu queria usar. Veja, se você perguntar para quem tem a minha idade a maioria vai assumir que foi Emo durante a adolescência. Lembra deles? Me apaixonei perdidamente pelo estilo e tinha decidido que era daquela forma que queria me vestir. Porém, faço aqui um questionamento, alguma vez você já viu um Emo gordo? Não estou falando daquelas imagens de zoeira, estou falando daqueles modelos que todos os adolescentes da época queriam seguir. Não existiam Emos gordos e por isso decidi que era hora de emagrecer. 

Peguei a foto do guitarrista e do vocalista da minha banda preferida e colei na parede do quarto e no espelho. Eles eram lindos e magros e decidi que iria ficar magra como as garotas que eles pensariam em namorar. Tentei primeiro ficar sem comer, como ficava sozinha em casa era fácil enganar meus pais, mas eu amava tanto a comida deles que era meio impossível. Tentei mastigar e cuspir fora, o que foi mais fácil, mas a reação natural do meu corpo era engolir então acabou que não deu muito certo. Fui aos poucos desistindo da ideia de emagrecer e tentei encontrar meu estilo nas roupas que cabiam em mim.

Como Maria Luísa e, apesar de não parecer pelo meu relato, minha vida nunca girou em torno do meu corpo ou do fato de precisar emagrecer. Apesar de esse ser um fato constante na minha vida, eu conseguia levá-la de forma leve e tranquila. Por isso gostei tanto da forma como Isabela descreveu a vida de sua personagem. Ela não era uma gorda caricata como vimos nos filmes ou em milhares de livros onde tudo se resume ao seu corpo. Maria viveu sua vida além de seu corpo e eu tentei ao máximo fazer isso. Contudo, enquanto eu não conseguisse me olhar no espelho e amar aquela imagem, eu não conseguiria continuar vivendo além.

No alto da minha adolescência eu tinha uma amiga gorda que era muito, mas muito encanada com o próprio corpo. Durante nossa amizade lembro de ver ela fazendo milhões de dietas loucas e perigosas. A mãe dela era a principal incentivadora de tudo aquilo, mas foi só mais pra frente que vi o quão tóxica era aquela amizade. Um dia, talvez numa tentativa de me sentir tão mal com minha imagem como ela se sentia com a sua própria, ela me disse que seus amigos não entendiam como poderia ser amiga de alguém tão gorda quanto eu. Eu fiquei em choque no momento. Como alguém teria a coragem de dizer aquilo para outra pessoa? Lembro de voltar pra casa, tirar as fotos do guitarrista e do vocalista de minha parede e decidir que aquele era o fim daquela amizade. Talvez nessa hora eu também tivesse decidido que era o fim do problema com o meu corpo, mas como ainda não entendia o quanto precisava me amar direito, ainda continuei sendo perseguida.

A falta de amor próprio não dói de uma vez. Ela dói em parcelas, tipo prestações das Casas Bahia. Um pouquinho toda vez que você se olha no espelho. Eu vi essa dor muito clara na história de Maria Luísa e chorei junto com ela como agora choro relembrando essas histórias. Antes de entender o que eu precisava fazer por mim mesma eu passei o fim da adolescência pesquisando sobre bulimia e anorexia e como elas poderiam me ajudar a amar o meu corpo. Tentei vomitar, mas tinha medo que descobrissem. Tentei tomar laxante, mas minha mãe sempre foi muito observadora e tinha certeza que ela iria desconfiar. Tentei fazer exercícios exagerados, mas depois de uma hora de aula de BodyCombat que havia encontrado na internet eu tinha cada músculo do meu corpo gritando de dor. Até que no início da minha vida adulta eu descobri que sofria de Hipotireoidismo e uma luz tinha se acendido. O remédio para a Hipo era o mesmo que algumas meninas tomavam para acelerar o metabolismo do corpo e emagrecer, por isso por um bom tempo tomei doses triplicadas do meu remédio em uma esperança de ver essas questões resolvidas. Foi logo depois que entendi que não havia dieta e não havia remédio que ia resolver um problema que estava só e apenas na minha cabeça.

Eu sinto por Maria Luísa, pois sei que ela nunca encontrou as respostas que eu encontrei. Ela ficou presa nos rótulos gordofóbicos que eu tinha ficado presa por muito tempo. Sabe, é muito difícil desfazer esses conceitos, principalmente quando você cresce ouvindo todos eles como a maior verdade. Depois de encontrar o feminismo eu pude entender que todas aquelas verdades eram mentiras, mas mesmo sabendo disso ainda é complicado virar a chave na minha cabeça e passar a olhar meu corpo gordo com amor e carinho. A auto-aceitação não é um processo linear e contínuo. É um caminho tortuoso e cheio de obstáculos que você vence toda vez que se olha no espelho e vê beleza. 

Quando eu comprei minha saia eu morri de medo de sair de casa com ela, mas acho que fiz a decisão certa em ir para a discussão de A Gorda no Leia Mulheres de Campinas. Ao final, uma das participantes me parou e disse como eu estava linda naquela saia. Dei um abraço forte nela e agradeci pelas suas palavras. Ao entrar no carro para voltar para casa eu chorei. Chorei tanto que meu namorado se desesperou sem saber o que fazer. Era como um choro de alívio e alegria. Aquele dia eu construí mais um tijolo na minha parede do amor-próprio e desde então eu coloco a minha saia e me sinto linda. Me sinto eu mesma da melhor maneira possível.





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Pela primeira vez, em vinte e cinco anos de vida, eu tinha comprado uma saia. Senti-me tão ousada na hora da compra que fui logo comprando uma midi, daquelas que chegam até o meio da canela. Minha nossa, pensei, era agora ou nunca. Ou eu ficava linda dentro daquela saia ou eu acabava de vez com meus sonhos de moda. Pode parecer estranho falar sobre a ousadia da compra de uma peça de roupa tão comum, mas esse tópico é muito presente na minha vida, na vida de uma mulher gorda e para contar minha experiência com a leitura do livro A Gorda de Isabela Figueiredo eu achei que era necessário contar também a minha história. Não entenda como pretensiosismo. Tente entender como uma forma de dizer que aquele livro não foi só ficção para mim. Ele foi tão real que às vezes parecia que nossas histórias se confundiam. Mas vamos começar do começo.

Assim como Maria Luísa, personagem de A Gorda, eu sempre fui gorda. Desde criança, adolescência e até hoje, na vida adulta. Vou confessar que quando menina nunca senti a gordofobia me atingir muito forte, achava apenas que as meninas não gostavam tanto assim de mim e por isso não eram tanto minhas amigas. Era difícil ser a garota nova em uma escola em que todos tinham estudado juntos desde a pré-escola. 

Aos oito anos eu escutei que eu era mais gorda do que minha pasta. A bendita pasta de guardar trabalhos que eu pedia que minha mãe comprasse da fininha que insistia em comprar da mais grossa, segundo ela ia caber mais coisas ali. Eu lembro com perfeição do momento, do local, das crianças e daquela menina alta vindo lá do fim da fila me chamar de gorda. Lembro também que na hora não dei atenção, não sei se todos que estavam em volta riram ou se nem perceberam, mas sei que no dia seguinte não queria ir pra escola. Chegaram a me perguntar o motivo de não querer ir, só que preferi não contar e agir como se nada daquilo tivesse acontecido. 

Maria Luísa foi extremamente ridicularizada durante seu período escolar e mesmo sua amizade com Tony era abusiva em uma tentativa que Maria tinha de ser aceita e amada. Acho que percebendo que meu corpo era alvo de piada eu comecei a tomar algumas atitudes durante a escola que me garantiram mais tranquilidade e a possibilidade de ser aceita no grupo. Como a personagem de A Gorda eu me submeti à figura da gorda engraçada, da gorda mãezona e da gorda conselheira em uma tentativa de me fazer útil dentro daquelas amizades. Por ser gorda entendi que tinha que ser a mais inteligente, afinal ser burra além de gorda estava completamente fora de possibilidade para mim. Para me ver livre das chacotas, fiz amizade com o a turma do fundão e deixava com que copiassem todas as minhas tarefas e até cheguei a passar algumas colas nas provas. 

Durante a adolescência eu tentei descobrir quem eu era, do que eu gostava, quais eram as roupas que eu queria usar. Veja, se você perguntar para quem tem a minha idade a maioria vai assumir que foi Emo durante a adolescência. Lembra deles? Me apaixonei perdidamente pelo estilo e tinha decidido que era daquela forma que queria me vestir. Porém, faço aqui um questionamento, alguma vez você já viu um Emo gordo? Não estou falando daquelas imagens de zoeira, estou falando daqueles modelos que todos os adolescentes da época queriam seguir. Não existiam Emos gordos e por isso decidi que era hora de emagrecer. 

Peguei a foto do guitarrista e do vocalista da minha banda preferida e colei na parede do quarto e no espelho. Eles eram lindos e magros e decidi que iria ficar magra como as garotas que eles pensariam em namorar. Tentei primeiro ficar sem comer, como ficava sozinha em casa era fácil enganar meus pais, mas eu amava tanto a comida deles que era meio impossível. Tentei mastigar e cuspir fora, o que foi mais fácil, mas a reação natural do meu corpo era engolir então acabou que não deu muito certo. Fui aos poucos desistindo da ideia de emagrecer e tentei encontrar meu estilo nas roupas que cabiam em mim.

Como Maria Luísa e, apesar de não parecer pelo meu relato, minha vida nunca girou em torno do meu corpo ou do fato de precisar emagrecer. Apesar de esse ser um fato constante na minha vida, eu conseguia levá-la de forma leve e tranquila. Por isso gostei tanto da forma como Isabela descreveu a vida de sua personagem. Ela não era uma gorda caricata como vimos nos filmes ou em milhares de livros onde tudo se resume ao seu corpo. Maria viveu sua vida além de seu corpo e eu tentei ao máximo fazer isso. Contudo, enquanto eu não conseguisse me olhar no espelho e amar aquela imagem, eu não conseguiria continuar vivendo além.

No alto da minha adolescência eu tinha uma amiga gorda que era muito, mas muito encanada com o próprio corpo. Durante nossa amizade lembro de ver ela fazendo milhões de dietas loucas e perigosas. A mãe dela era a principal incentivadora de tudo aquilo, mas foi só mais pra frente que vi o quão tóxica era aquela amizade. Um dia, talvez numa tentativa de me sentir tão mal com minha imagem como ela se sentia com a sua própria, ela me disse que seus amigos não entendiam como poderia ser amiga de alguém tão gorda quanto eu. Eu fiquei em choque no momento. Como alguém teria a coragem de dizer aquilo para outra pessoa? Lembro de voltar pra casa, tirar as fotos do guitarrista e do vocalista de minha parede e decidir que aquele era o fim daquela amizade. Talvez nessa hora eu também tivesse decidido que era o fim do problema com o meu corpo, mas como ainda não entendia o quanto precisava me amar direito, ainda continuei sendo perseguida.

A falta de amor próprio não dói de uma vez. Ela dói em parcelas, tipo prestações das Casas Bahia. Um pouquinho toda vez que você se olha no espelho. Eu vi essa dor muito clara na história de Maria Luísa e chorei junto com ela como agora choro relembrando essas histórias. Antes de entender o que eu precisava fazer por mim mesma eu passei o fim da adolescência pesquisando sobre bulimia e anorexia e como elas poderiam me ajudar a amar o meu corpo. Tentei vomitar, mas tinha medo que descobrissem. Tentei tomar laxante, mas minha mãe sempre foi muito observadora e tinha certeza que ela iria desconfiar. Tentei fazer exercícios exagerados, mas depois de uma hora de aula de BodyCombat que havia encontrado na internet eu tinha cada músculo do meu corpo gritando de dor. Até que no início da minha vida adulta eu descobri que sofria de Hipotireoidismo e uma luz tinha se acendido. O remédio para a Hipo era o mesmo que algumas meninas tomavam para acelerar o metabolismo do corpo e emagrecer, por isso por um bom tempo tomei doses triplicadas do meu remédio em uma esperança de ver essas questões resolvidas. Foi logo depois que entendi que não havia dieta e não havia remédio que ia resolver um problema que estava só e apenas na minha cabeça.

Eu sinto por Maria Luísa, pois sei que ela nunca encontrou as respostas que eu encontrei. Ela ficou presa nos rótulos gordofóbicos que eu tinha ficado presa por muito tempo. Sabe, é muito difícil desfazer esses conceitos, principalmente quando você cresce ouvindo todos eles como a maior verdade. Depois de encontrar o feminismo eu pude entender que todas aquelas verdades eram mentiras, mas mesmo sabendo disso ainda é complicado virar a chave na minha cabeça e passar a olhar meu corpo gordo com amor e carinho. A auto-aceitação não é um processo linear e contínuo. É um caminho tortuoso e cheio de obstáculos que você vence toda vez que se olha no espelho e vê beleza. 

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Quando a autora de “À sombra do jatobá” entrou em contato comigo para saber se eu gostaria de receber seu livro senti extrema gratidão pelo trabalho que venho fazendo tanto nesse blog quanto no instagram. Ver seu esforço se materializando em reconhecimento é uma das sensações mais incríveis que existem. Junto com isso, existe também o orgulho. Orgulho de ver uma mulher brasileira publicando o fruto de seu esforço em um país que ainda não entendeu a grandeza de suas obras nacionais nem a genialidade de suas autoras. O resultado foi um livro onde a sensibilidade de R. C. Maschio transborda pelas páginas nos emocionando e nos fazendo pensar como o feminino tem poder.

A autora nos teletransporta para um Brasil escravocrata enquanto acompanhamos a história de Ercília, uma mulher nascida brasileira e escrava de uma fazendo de cana-de-açúcar. Essa figura tão ignorada e maltratada ganha o protagonismo desse livro ao lado das outras mulheres da família que habitam a casa-grande e tentam passar por cima de um patriarcalismo feroz em prol de seus sonhos. 

A escrita de R. C. Maschio é coberta de emoção e intensidade, como se cada cena te atravessasse por completo e deixasse um pouco delas dentro de você. Tanto em uma das cenas mais emocionantes de parto que já li quanto na morte mais dolorosa, a delicadeza está presente ao mesmo tempo que não ameniza as atrocidades vividas pelos escravos. Está muito claro o nível de pesquisa feita pela autora assim como a clareza da organização da linha temporal. Escolher contar a história de Ercília aos poucos enquanto a vemos definhar apenas nos deixa mais apegados e muito mais tristes quando o fim se aproxima.

A escrita perfeita e o enredo apenas foram pano de fundo para uma questão que saltou muito aos meus olhos enquanto lia. Em um momento como o atual, onde vemos cada vez mais discussões sobre o feminismo, gosto de me perguntar: meu feminismo alcança todas as mulheres? Sabemos que mulheres brancas e negras têm similaridades e diferenças em suas lutas para se libertar do machismo, mas estaria eu lutando apenas pelo ideais da minha cor? 

Ao ver Ercília como a escrava que visa pela liberdade do trabalho e Theodora, a filha do fazendeiro, que visa pela liberdade de voz percebo como lutamos por coisas tão diferentes e tão parecidas ao mesmo tempo. Entendo que devo ser cada vez mais empática pela causa do outro assim como as mulheres de “À sombra do jatobá” foram umas com as outras. Entendo também que a união daquelas mulheres fez com que o ciclo patriarcalista fosse quebrado e que isso só será possível quando pudermos nos juntar com a luta do outro e ganhar mais força na busca pela liberdade desse feminino que ainda mora sob a sombra do masculino.




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Abrir a caixa de memórias pode ser um processo doloroso, apesar de muitas vezes ser extremamente benéfico na jornada do autoconhecimento. Ao propor abrir a sua caixa em A Resistência, Julián Fuks mistura a ficção com a autobiografia em um romance denso e reflexivo sobre as questões familiares. Ao mesmo tempo em que conta um pouco de sua própria história e a história de seus pais, explora a política de uma Argentina militar e as consequências da ditadura na vida de sua família.

Emi é adotado e mesmo que esse assunto tenha sempre sido discutido de forma muito tranquila dentro da família, toda essa liberdade parece ter criado um tabu. Seu irmão, o autor fictício desse livro, busca com sua escrita romper a barreira que esse assunto criou entre eles. Barreira essa que foi construída tanto pela família que parece não entender as questões de Emi quanto pelo próprio que não se sente completo no lugar em que foi colocado. Na tentativa de entender seu irmão, o autor toma conta das memórias da família em uma busca pelas origens tanto dele quanto do irmão. 

A escrita de Fuks é poética e muito cuidadosa quando se percebe o zelo na escolha de cada palavra e na ordem de cada frase. Talvez seja esse o grande trunfo desse romance, pois acredito que quando a história mora no comum é a linguagem que a levanta e a torna inesquecível. O escritor fictício, apesar de primoroso, não consegue abandonar de si para contar essa história. É como se tudo tivesse que partir dele ou do sentimento dele para se concretizar e se fazer entendido. Porém, mesmo muito certeiro em suas colocações, percebemos que as falhas de memória dão aberturas para o incerto e o não crível, estratégia que torna o texto muito mais humano e nos faz perdoar os deslizes de cenas que estariam muito fora da realidade. 

E no fim, qual é essa resistência? É muito superficial entender a resistência presente no livro como apenas política quando na verdade ela é a do dia-a-dia. A resistência de permanecermos fortes e otimistas, com esperança em um futuro melhor. A resistência de se ter um filho mesmo que em uma realidade tão cheia de ódio e violência. A resistência que temos todos os dias quando lutamos por aquilo que acreditamos, seja no feminismo, nas questões sociais e na educação. Entendi então que somos todos resistência quando tentamos levar nossas vidas da melhor forma possível em uma tentativa de ouvir e sermos ouvidos.





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