"Um teto todo seu" e a mulher na ficção





Você já parou para pensar o que motivou alguns movimentos literários como o Leia Mulheres e o Leia Mulheres Negras? Por que, em pleno século XXI, precisamos incentivar a leitura de literatura escrita por mulheres? Essas perguntas se respondem de forma muito simples: porque tivemos menos chances de sermos publicadas desde quando decidimos escrever livros. Porém, a consagrada escritora Virginia Woolf vai um pouco mais além nessas questões em Um teto todo seu, um livro que reúne dois ensaios sobre o tema “mulheres na ficção”. Em uma tentativa de encontrar os motivos que levaram as mulheres a serem menos reconhecidas dentro do universo literário, a autora esbarra em aspectos culturais e materiais que cercaram aquelas que um dia quiseram escrever suas palavras numa folha de papel.

Antes de entrarmos de cabeça nos argumentos de Virgínia Woolf, gostaria de trazer um exemplo que foi, de forma muito genial, desenvolvida pela autora no livro: E se Shakespeare tivesse tido uma irmã tão talentosa quanto ele? Ela teria o mesmo reconhecimento que o irmão? Em um exercício ficcional, mas recheado de realidade, Woolf traça a história dessa suposta irmã que, além de não frequentar as mesmas escolas que o consagrado autor, foi obrigada a passar seus dias dentro de casa enquanto ele viajava pelo mundo atuando em peças de teatro. Para a autora, muito provavelmente, a irmã fugiria de casa para tentar sua vocação, mas acabaria grávida e posteriormente se mataria tamanha a frustração. Tendo essa história em mente e sabendo que, uma irmã talentosa de Shakespeare nunca teria o mesmo reconhecimento que ele, a autora começa a elencar aquilo que para ela seria necessário para que auma mulher pudesse escrever ficção como um homem. 

Foi apenas no final do século XIX que as mulheres puderam ingressar no ensino superior na Inglaterra, mas apenas em faculdades feitas somente para elas, sem acesso a graus acadêmicos. Somente nos anos 20 que faculdades como Oxford e Cambridge abriram as portas para o estudo feminino. Com isso posto, Virginia Woolf aponta a escolaridade como um ponto que afasta as mulheres dos homens na produção literária. Enquanto os eles tinham acesso às escolas e à faculdades desde 1096, as mulheres eram prisioneiras do lar em um aprendizado nada acadêmico sobre seus afazeres domésticos. Com mais de 900 anos de atraso nos ensinos formais, não é de se surpreender que as mulheres não fossem destaque na ficção.




Contudo, não é apenas de ensino acadêmico que uma obra literária é feita, ela também se forma mediante experiências de vida e de leitura. E nem assim as mulheres puderam sair na frente. Em uma sociedade extremamente patriarcal do final do século XIX e começo do século XX as mulheres não poderiam viajar sozinhas ou sem a autorização de seu responsável, muito menos ler todo o tipo de livro que quisessem. Não era de bom tom uma senhora ler livros escritos para homens e com isso suas experiências eram reduzidas a aquelas que vivia dentro de sua sala de estar, com seu círculo familiar e com a constante observação daqueles que iam e vinham. Com a falta de experiências ricas, ainda não é de se surpreender que as mulheres não fossem destaque na ficção.

No fim, Virgínia Woolf diz que a mulher precisa de duas coisas para escrever boa ficção: dinheiro e um teto todo seu. Poder ter a independência de ganhar seu próprio dinheiro e conseguir mantê-lo consigo daria para a escritora uma tranquilidade que só uma vida financeira estável pode prover. Quando isso acontecesse, ela teria um teto todo seu, onde escreveria sem precisar esconder e poderia viajar na verdade de suas palavras com paz e tranquilidade. Mas aqui, particularmente, eu acrescento que a mulher precisa também de um papel social que seja aceito e não hostilizado, levando a sua escrita a níveis altíssimos como de muitos escritores homens. Precisamos parar de sermos vistas como espelhos para os grandes egos masculinos e voltar o olhar para nós mesmas e nossas produções com todo o orgulho daquilo que mulheres antes de nós conquistaram e com a esperança do que vamos continuar conquistando. Com isso, não vamos nos surpreender quando uma grande escritora brilhar com tudo o que sua escrita pode proporcionar.

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