"Olhos d'Água" e um registro da desigualdade social



A desigualdade social já foi tema de muitos livros da literatura brasileira e a mesmo sempre rende grandes reflexões sobre o cidadão brasileiro. Nesses contos de Olhos d’Água, Conceição Evaristo usa de uma delicadeza assustadora para abrir a ferida do preconceito e da desigualdade em uma narrativa sobre as vidas silenciadas de uma sociedade injusta e cruel. Apesar de ter alguns personagens masculinos, Conceição explora a figura feminina negra inserida nas margens de um pensamento machista e racista, ao mesmo tempo que nos impressiona com a força de suas personagens sem a romantização de seu sofrimento. 

No conto que dá nome ao livro, uma mulher acorda com fortes lembranças de sua infância, mas uma questão a perturba: “que cor eram os olhos da minha mãe?” Em uma narrativa de memórias, a filha conta todos os esforços daquela mãe para criar sete filhos em condições de pobreza, mas se frustra ao tentar lembrar a cor dos olhos daquela mulher que tanto batalhou. Em uma reflexão sobre o lugar da mulher negra no mundo, tanto o conto Olhos d’Água, quanto Ana Davenga, Duzu-querença, Maria e mais outros, delimitam o espaço que a sociedade permite que essas mulheres habitem. A desigualdade social junto com um cenário de discriminações, pobreza, subempregos e falta de oportunidades desenham a linha da vida dessas mulheres. Entender que isso é um dívida social deixada pelos tempo de escravidão é perceber que não se trata de falta de vontade, mas sim da perda de direitos básicos arrancados por resquícios do pensamento preconceituoso gerado antigamente. 




A falta de oportunidade é um ponto muito tocado por Conceição Evaristo, principalmente em Zaíta esqueceu de guardar os brinquedos e Di Lixão. Em ambos os contos a autora registra a escolha de muitos jovens pelo tráfico em uma tentativa de dar vidas melhores para suas famílias. A reflexão fica por conta da extrema pobreza em frente a um possível futuro, mesmo que ligado ao ilícito. Com isso, percebemos que a situação social é a que grita na orelha daqueles jovens mesmo que como autoridades ainda insistimos em achar que toda a culpa se recai simplesmente na criminalidade. 



Ao fim, depois de também falar sobre aborto como questão de saúde pública, relacionamentos abusivos e sexualidade, a autora escancara uma realidade brasileira que muitos preferem virar o rosto e não ver. Afirmar que somos todos iguais perante a lei e que não existe preconceito é ter um pensamento muito limitado sobre as questões sociais. Em um país que mata mais de 200 mulheres em três meses e tem os jovens negros como as principais vítimas da polícia fica difícil não perceber o abismo social que existe entre nós e eles. Compreender essa realidade já é um ótimo começo, mas não podemos deixar de continuar criticando e exigindo por essa igualdade. Acompanhe pessoas negras e entenda essa realidade antes de olhar para sua própria cor e gritar por uma igualdade de está longe de existir.



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