"Eu sei por que o pássaro canta na gaiola" e a força das autobiografias



É muito difícil para mim sentar na frente desse computador e transformar em palavras todas as experiências que tive com essa leitura. Mesmo indo participar do Leia Mulheres onde falamos e falamos sobre esse livro, sinto que ninguém conseguiu de verdade dizer tudo o que sentiu enquanto o lia. A força da autobiografia de Maya Angelou vem dessa infância no sul dos EUA, do racismo, dos abusos e da perseverança. Já te adianto que você não vai passar por esse livro de forma neutra e espero que se você um dia o tiver em mãos, possa fazer uma leitura transformadora, como foi a minha.

Maya é uma menina muito inteligente que por conta da separação de seus pais foi enviada para morar com a avó paterna no Arkansas dos anos 30. Sabemos que, historicamente, o sul dos EUA eram a favor da escravidão e isso moldou a forma com que o branco via o negro mesmo anos e anos depois da abolição, tornando aquela região extremamente racista e apegada à moralidade cristã. A vida cercada pelo racismo parece muito mais sutil aos olhos daquela menina, afinal a autora se transporta para o seu Eu criança e tem a habilidade de escrever com os olhos e a mentalidade infantil ao mesmo tempo que seu Eu adulto analisa criticamente uma sociedade moldada pelos ideais escravocratas e não poupa palavras para dizer como o preconceito destruiu partes da sua infância.

Depois de alguns anos, o pai de Maya vai até o Arkansas para buscá-los e levá-los de volta para morar com a mãe, uma mulher alta, bonita, extremamente respeitada e bem-sucedida. Essa figura materna se torna muito importante dentro da vida da menina, pois pela primeira vez ela viu que negros podem ser elegantes e bem-sucedidos. Essa representatividade formada pela mãe deu base para que Maya fosse a mulher que resgatou e escreveu todas essas memórias de forma muito poética e honesta. Mas, foi na casa dessa mãe, nas mãos do namorado dela, que Angelou sofreu abuso sexual. 

Escrever sobre essa parte da vida da autora é especialmente complicado para mim. Acho que depois de A paixão Segundo GH, esse é um dos únicos livros que me fez ter reações físicas e emocionais muito fortes. Essa escrita poética e dura possibilitou descrições muito palpáveis da dor e de seus sentimentos. Ver uma criança ser abusada já é ruim por si só, mas observar todo o processo de culpa é terrível. Maya se sente feliz por estar com aquele homem, afinal era a primeira demonstração de carinho que tinha recebido na vida e a dor a faz pensar que é assim que carinhos são feitos e por isso se sente tão culpada em contar para todos sobre o acontecimento. A punição do homem e sua morte a deixam extremamente triste e Maya para de falar por cinco anos de sua vida. 

A mãe, muito preocupada com a filha resolve mandá-la de volta para a avó, Maya acha que esse retorno se deve ao seu silenciamento e à criança mal-humorada que se tornou, mas interpreto essa atitude como uma medida desesperada para proteger aquela menina a tirando do local que foi violada na tentativa de curar aquele trauma. A avó, desesperada por não conseguir fazer a menina falar à apresenta para a Sr. Flowers. A autora descreve essa senhora como uma mulher negra que parecia branca em seus vestidos perfeitos e perfumes deliciosos e em sua casa muito organizada tomava chás e comia biscoitos. Naquele lugar, ouvindo Sr. Flowers recitar lindos poemas e desejando poder recitá-los da mesma forma Maya voltou a falar. Gosto de acreditar que é esse o poder da literatura, nos transformar de dentro para fora.
Quando entendemos aquilo que moldou Maya, podemos olhar para a grande escritora norte americana e compreender de onde vinha tanta força para escrever e ser exatamente quem ela sonhava ser. O livro nos conta somente até o nascimento de seu filho Guy, mas o documentário “Maya Angelou, e ainda resisto” nos conta sobre todo o seu percurso no teatro, na música e finalmente na escrita. É impressionante ver a mulher incrível que aquela menina se tornou e isso me fez pensar que na vida somos capazes de aguentar muito mais do que aquilo que achamos que somos capazes. Transformar toda a dor e todo racismo sofrido em uma obra literária não deve ter sido um caminho fácil e me sinto muito privilegiada de poder conhecer essa história e poder dizer que são essas mulheres incríveis que me formam, dia após dia, na mulher que desejo ser no futuro.

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