"Persépolis" e o medo como ferramenta de silenciamento



Escrever uma autobiografia não deve ser fácil. O ato de revisitar e reviver pedaços de sua vida pode trazer a tona sentimentos que foram duramente guardados no fundo de um baú. Quando sua vida se mistura a um importante acontecimento histórico, imagino que esses sentimentos deixam de ser apenas seus e se tornam coletivos, divididos com aqueles que também viveram esses momentos. Marjane Satrapi escolheu contar sua história em Persépolis, mas diante do momento político iraniano, sua vida se tornou uma personagem coadjuvante. 

Para entendermos a história contada por Marjane, é importante entender um pouco dos acontecimentos que permeiam o Irã da década de 70. O país era comandado pelo monarca autocrata Xá Reza Pahlevi que permitia com que o país fosse se ocidentalizando como uma maneira de se aproximar e estreitar suas relações com os EUA e o Reino Unido. Esse governo autoritário resultou em mortes e conflitos com aqueles que não aceitavam a soberania do Xá, assim como uma economia instável, fazendo a população sofrer com pobreza e altas inflações. 

A população descontente com o governo autocrata do Xá se juntou a um islamismo que se sentia ameaçado com a grande ocidentalização e foram para as ruas em uma revolução. Sentido-se ameaçado, o monarca renuncia seu trono e é declarada a República Islãmica do Irã. Dessa forma, o Irã possui um presidente que é eleito popularmente, mas ele sempre estará abaixo da figura do Aiatolá que é a autoridade máxima do islamismo. Com isso, o país se torna uma República Teocrática, onde as leis do Islã são absolutas. 

Nesse momento de revolução é que entramos na história de Marjane e sua família. Os pais participam dos protestos contra o Xá e esperam por um país mais livre, mas a entrada do Aiatolá e das leis islâmicas desencadeiam exatamente o oposto do que era esperado pela população. O governo coloca em prática essas rígidas leis que consistem na obrigatoriedade do uso do véu pelas mulheres, barbas nos homens, escolas separadas para meninos e meninas, proibição de consumo da cultura ocidental e muitas outras regras. 

Podemos ver com clareza essas ações impactando na vida de Marjane e como sua rebeldia e liberdade de pensar são podadas pelo governo. Existe uma grande imposição de comportamento sobre as mulheres e o medo de serem punidas pelo governa as obriga a ficarem em silêncio. Durante a leitura, foi esse silenciamento que mais me incomodou e me deixou abalada. Hoje, vivendo um um país ocidental e gozando de muito mais liberdade que as mulheres iranianas, já sentimos o peso do silenciamento e da forma com que nossos direitos são duvidados e até ignorados. O poder, não de uma religião ou de um governo como no caso de Marjane, mas de uma sociedade moldada pelo machismo nos fez sermos menores e menos importantes que os homens, realidade essa que lutamos todos os dias para ser mudada. 

O grito de Marjane foi silenciado em seu país, mas ao se erradicar francesa ela continua gritando sobre os direitos das mulheres e dos imigrantes. Essa leitura acabou sendo muito significativa para mim que após ter lido outros três livros que também falavam sobre o poder e me deu mais força para continuar lutando por aquilo que acredito. Quando nos deixamos ser silenciadas pelo medo, paramos de questionar e permitimos com que nossos direitos sejam levados. Sei que parece difícil, mas não vamos deixar o medo nos silenciar. Vamos continuar gritando como Marjane gritou e como tantas outras mulheres gritaram antes de nós.

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