"Kindred - Laços de Sangue" e o racismo



Não existe a menor possibilidade de falar de Kindred sem entender a história de Octavia E. Butler, sua autora. Nascida na Califórnia, de pai engraxate e mãe fachineira, a menina negra era fascinada por ficção científica e depois de ver um filme do gênero muito ruim decidiu que escreveria coisas muito melhores. Não é pra menos que anos depois se tornou A Dama da Ficção Científica. Em um gênero literário dominado pelos homens brancos, ser uma mulher negra fazendo um trabalho genial e altamente premiado é uma conquista que não pode passar despercebida. Porém, ter vivido o racismo é o que fez desse livro um relato tão honesto sobre ser negro em nossa sociedade. 

Em Kindred, seu romance de estreia, acompanhamos a história de Dana, uma mulher negra que tenta ganhar a vida escrevendo livros na década de 70. No dia de seu vigésimo sexto aniversário, começa a passar mal e é transportada para o sul dos EUA no século XIX. Essas viagens no tempo sempre acontecem quando Rufus, um garoto branco do passado, está em perigo e precisa da ajuda de Dana para se salvar. Apesar das viagens durarem dias e até mesmo meses no passado, no presente elas apenas duram segundos ou horas. Quando a personagem descobre que Rufus é um parente distante seu, percebe que sua missão é manter aquele menino vivo para que sua família possa dar continuidade, garantindo sua própria existência no futuro.

A escrita de Butler é simples e direta, mas a grande riqueza de sua obra mora na temática do racismo. Uma mulher negra nos anos 70 ainda vive muitas facetas do preconceito, mas ao ser transportada para o sul escravagista dos Estados Unidos entra em contato com a realidade vivida por seus antepassados escravos e se vê obrigada a fazer parte de tudo aquilo. Por mais que tenhamos estudado sobre o que foi esse período histórico, nada se compara a essa imersão feita pela autora. É difícil, duro, triste e desesperador. As descrições de castigos, estupros e comércio de escravos são crus e certeiros. A indignação de Dana é a nossa e o sufocamento social transcende as páginas do livros e parecer apertar nossas gargantas com força. 

O tempo é um grande aliado da autora nessa narrativa. Em diversos momentos de sua história, quando os escravos estão sendo castigados, Butler diz que para o negro aquilo parecia durar eternidades enquanto para o senhor eram apenas alguns segundos. Essa perspectiva de tempo se alinha com as viagens de Dana, que duram meses no passado e apenas segundos no presente. Isso pode querer dizer que estar no passado era tão terrível quanto os castigos e por isso demorava-se tanto, ao contrário de sua pacata vida no presente. 

Apesar de usar o tempo como uma ferramenta de sua escrita, Butler usa da relação Passado e Presente para nos fazer refletir sobre a vida do negro. Ao colocar esses dois tempos em comparação, percebemos que, apesar da libertação dos escravos, temos um racismo incrustado na nossa formação social que perpassa todos esses anos. Se antes eles eram escravos, hoje são assassinados, discriminados, culpabilizados e renegados. 

A lição que a autora quer nos deixar é que por mais que a escravidão tenha acabado, o racismo perdurou e por isso livros como Kindred nos dizem que devemos continuar lutando. Independente da sua cor, reconhecer que existe uma construção social racista é essencial para ser um humano melhor e lutar pelas causas deles é mostrar que juntos, de mãos dadas, podemos ir cada vez mais longe.

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