"A obscena senhora D" e a não linearidade mental na literatura



Entrar em contato pela primeira vez com a prosa de Hilda Hilst pode causar um certo estranhamento. Digo isso por experiência própria. Ler A obscena senhora D que, apesar de ser um livro pequeno é enorme em sua complexidade, me mostrou que muitas vezes não estamos completamente acostumados com todo o tipo de literatura. Principalmente, não estamos acostumados à uma escritora tão honesta com sua arte e tão intensa na escolha de seus temas.

O livro conta o processo de enlouquecimento de Hillé, uma viúva que depois de perder o marido muda-se para debaixo da escada de sua casa. Ali ela passa os restantes de seus dias em meio à conversas com o Porco-Menino - uma espécie de entidade criada por ela-, seu falecido marido e o pai já morto há muito tempo. Ao longo de seus dias, a personagem perde seu filtro social e começa a perturbar os moradores daquele bairro. Em várias tentativas de ajudar aquela senhora, os vizinhos tentam diálogos que são logo encerrados pelas perguntas irritantes de Hillé.

Não se deixe enganar pelo enredo simplório de Hilda Hilst, toda a beleza da obra mora na sua escrita e na maneira em que usa o Fluxo de Consciência. Esse estilo de literatura tenta imitar através da quebra das regras gramaticais a ordem e a desordem do pensamento humano. Dessa forma, Hilda deixa com que entremos profundamente na mente de uma mulher que enlouquece aos poucos. Podemos perceber essa mudança quando no início sua fala é mais organizada como se contasse sua história para um outro alguém e com o passar do tempo, percebemos diálogos com pessoas mortas e figuras criadas em sua mente ao mesmo tempo que o fluxo de pensamento se torna mais frenético. 

Junto com o enlouquecimento de Hillé, notamos que sua falta de filtro acaba por revelar uma falsa moralidade daquela sociedade que muitas vezes oferece a mão, mas mostra todo seu desprezo pelas costas. Talvez o declínio da personagem tenha feito com que ela enxergasse esse aspecto social e não tivesse bloqueios para dizer o quão hipócritas todos aqueles eram. Essa característica é muito forte na literatura de Hilda Hilst: livre, sem filtros, desnivelada.

Hilda sempre defendeu que a literatura deveria ser um retrato da mente humana fazendo com que a não linearidade de nossas mentes pudesse ser passada para o papel criando uma prosa viva. Sabendo disso, fica mais fácil olhar para esse livro entender sua construção atordoada. De uma leitura rápida, A obscena senhora D se transformou para mim em um desafio literário do qual consegui sair muito orgulhosa, mas com a certeza de que, apesar dos meus esforços, ainda não tenha chego no cerne de sua literatura.

Se interessou pelo livro? Compre ele com o link da Amazon e ajude o blog a continuar espalhando o amor pela literatura: https://amzn.to/2TMr9WW

Nenhum comentário:

Postar um comentário