“Rebentar” e a delicadeza no sofrimento




“Um filho desaparecido é um filho que morre todos os dias.” Com essa frase, Rafael Gallo dá o tom de seu livro Rebentar. Mais do que a história de uma criança desaparecida, a obra se propõe a contar o cotidiano daqueles que ficaram para trás, à procura. A luta de uma família, em especial da mãe, que depois de anos resolve aceitar o destino.

O livro começa com um discurso de Ângela, a mãe que acompanhamos. Muito emocionada, ela resolve que está na hora de encerrar os 30 anos de busca pelo seu filho. Atrás de uma explicação pela decisão, o leitor é conduzido pelo cotidiano de uma família que se tornou oca com a falta da criança.
A vida de Ângela, completamente voltada para o procura do filho, passa a não fazer mais sentido. O vazio da falta do menino é acompanhado pelo vazio de uma existência perdida onde uma mulher deixa de ser ela mesma para ser toda uma mãe cheia de esperança. Esperança essa que foi morrendo aos poucos ao longo dos anos.

A delicadeza do assunto abordado por Gallo é assustadora. Ver uma mãe abrir mão de um filho é desesperador à medida que perfeitamente compreensível. Observar a sociedade julgar aquela mulher me fez ver, mais uma vez, como a mesma é avassaladora na hora de distribuir seus papéis. Ao mesmo tempo em que cobra-se uma postura de mãe exemplar, recusa-se a batalhar pela mãe negra que também perdeu seu menino. Uma dualidade que só uma sociedade machista e racista pode nos entregar.

Várias vezes perguntei para mim mesma se não teria feito o mesmo que Ângela. Se teria a mesma coragem. Sua decisão final foi como uma virada de página, um basta para se reencontrar como mulher e entender o seu lugar. Uma medida tão corajosa quanto seus 30 anos de procura. No fim, o sentimento de empatia que Gallo consegue construir foi o que me fez gostar tanto desse livro. Entender que, apesar de não ser o caminho que teríamos tomado, devemos respeitar o caminho do outro e olhar essa decisão com respeito.



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